Esther, com 4 anos de idade, caminha pela mão da mãe, Margarethe, 1928. (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
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Esther Bejarano nasceu como Esther Loewy, a 15 de dezembro de 1924, na Alemanha, sendo a mais nova de quatro irmãos. É filha de Rudolf Loewy, um hazzan (cantor no culto judaico) da comunidade judaica da sua terra natal, Saarlouis e a sua mãe, Margarethe Heimann, cuidava da família. Os seus pais conheceram-se em Berlim, na adolescência, quando o pai foi contratado para dar aulas de piano à sua mãe e os dois apaixonaram-se.
Esther, com os seus irmãos Ruth (esquerda), Gerhard e Tosca
(Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Em 1925, a família mudou-se para Saarbrücken, uma vez que o pai aceitara aí o cargo de cantor principal na Sinagoga, onde também ensinou religião judaica em algumas escolas secundárias. Como era comum nas famílias de classe média da época, Esther também recebeu aulas de piano quando criança, tanto mais que a música desempenhava um grande papel na sua família cosmopolita, pelo que ela teve uma infância feliz e despreocupada, tendo desenvolvido uma relação estreita com a sua ama Katharina Schäfer, a quem chamava Kätchen. Como descreve Esther, «costumávamos ter uma vida muito boa nas comunidades judaicas. Mantínhamos uma família kosher, embora a minha família fosse muito liberal. Não tenho nada a ver com religião. Mas, culturalmente, crescer numa casa judaica trouxe-me muita coisa. O amor pela música. Não me tornei cantora por acaso». Embora ainda vivendo numa posição privilegiada na região do Sarre, separada do Reich alemão, os primeiros incidentes antissemitas começaram em 1934. Em 1935, a região foi anexada ao Reich e logo se fizeram sentir no seio familiar Loewy as repercussões das medidas repressivas contra os judeus: Katharina Schäfer, a ama, deixou de ter autorização para ficar com a família, embora ela tivesse continuado a cuidar da família até à chamada "Lei de Proteção do Sangue", que proibia as criadas "arianas" com menos de 45 anos de trabalharem para famílias judias. A comunidade judaica em Saarbrücken começou a diminuir, pois cada vez mais judeus optaram pela fuga.
Fotografia com a turma (1.ª à direita, na linha de baixo), em Saarbrüken, início dos anos 30
(ainda na sua escola cristã, antes de se mudar para a escola judia)
(Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html )
Rudolf Loewy via-se como um patriota, tinha servido como soldado na Primeira Guerra Mundial e recebeu a Cruz de Ferro de 1ª classe, por ter sido ferido na mão direita, o que o fez desistir do seu sonho de uma carreira como pianista. Ele considerava o antissemitismo e o nacional-socialismo apenas uma fase e por isso ficou na Alemanha com a sua família. A família mudou de local de residência várias vezes porque o pai teve dificuldade em encontrar trabalho. No entanto, em 1936, decidiu mudar-se para Ulm, onde encontrou uma nova posição como cantor. Perto de Ulm, Esther Loewy teve de começar a frequentar uma escola judaica, pelo que passou a frequentar Herrlingen, uma instituição judaica muito progressista. Nesta associação cultural judaica Esther fez várias apresentações, cantou e dançou sapateado como Shirley Temple, mas também cantou êxitos musicais alemães e canções judaicas.
Esther Bejarano, com os pais, em 1939
(Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Em 1937, os dois irmãos mais velhos de Esther emigraram. O seu irmão Gerhard emigrou para os EUA e a irmã mais velha, Tosca, mudou-se para a Palestina. A sua irmã Ruth foi, um ano mais tarde, para um campo de preparação para emigrar para a Palestina. Assim, Esther Loewy ficou sozinha com os pais, que se mudaram para Neu-Ulm.
Ruth Loewy (1920 – 1942), irmã de Esther, morta em Asuchwitz em 1942 (Fonte: https://oorlogsdodenoldenzaal.nl/personen/slachtoffers-k-t-m-m/loewy-ruth/)
A Stolperstein em Oldenzaal, em sua memória, junto à sua última residência na Holanda. (Fonte: https://oorlogsdodenoldenzaal.nl/personen/slachtoffers-k-t-m-m/loewy-ruth/)
Após a Noite de Cristal, em 9 de novembro de 1938, o pai perdeu finalmente a esperança de que a situação política melhorasse. Foi detido em Augsburg, mas escapou à transferência para o campo de concentração de Dachau por ser considerado "meio-judeu", tendo sido libertado três dias depois. Na sequência destes acontecimentos, a sua filha Ruth foi brutalmente espancada em Ellguth e mal podia andar. Ela regressou a Ulm e conseguiu fugir primeiro para a Holanda, mas foi apanhada pelas forças de ocupação alemãs em 1942, tendo sido transferida para Westerbork e finalmente deportada para o campo de concentração de Auschwitz, a 6 de novembro de 1942, onde foi morta a 1 de dezembro do mesmo ano.
Perante o que se estava a passar, a partir de final de 1938, Rudolf Loewy tenta tirar o resto da família da Alemanha. Candidatou-se como cantor sénior em Zurique, mas foi rejeitado, uma vez que só eram aceites "judeus completos". Sem poupanças, a família permaneceu em Ulm por mais algum tempo, até que, finalmente, o pai de Esther foi transferido para Breslau (Wrocław). Também a tentativa da sua filha Tosca na Palestina de obter uma autorização de entrada para os seus pais e para Esther falhou.
Chamada no campo de preparação sionista Ahrensdorf para a emigração para a Palestina, (Esther na primeira fila à direita), 1940 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
No caminho para Breslau (Wrocław) via Berlim, onde o resto da família parou para visitar parentes, Esther e os seus pais separaram-se. A filha de quinze anos foi para a Escola Juvenil Alíiah perto de Berlim, em preparação para a emigração para a Palestina e depois, mesmo, para o campo de preparação sionista para a emigração para a Palestina "Gut Winkel", que pertencia à Agência Judaica para Israel. Quando este foi encerrado, ela foi enviada para outro campo em Ahrensdorf. Margarethe Loewy, entretanto, esteve numa clínica em Berlim durante várias semanas para receber tratamento para um distúrbio nervoso que se tinha desenvolvido após a perturbação que rodeou o pogrom de novembro.
Em Breslau (Wrocław), pouco se sabe o que aconteceu com os pais de Esther. A 25 de novembro de 1941 Rudolf e Margarethe Loewy foram deportados para Riga. Os judeus de Breslau (Wrocław) que sobreviveram à guerra testemunharam que foi dada a oportunidade a Rudolf Loewy, pelos nazis, de se divorciar da mulher e assim permanecer livre como "meio-judeu", mas este recusou tal indignidade. O comboio de deportação, que começou em Breslau (Wrocław), foi para a Lituânia. Perto do Forte IX, uma das fortalezas em redor de Kowno, Rudolf e Margarethe Loewy foram levados para uma floresta e baleados por membros das SS, a 29 de novembro de 1941, juntamente com milhares de outros judeus. Esther só soube do destino fatal dos pais e da irmã após a guerra, como a própria testemunha: "No início não sabia como morreram os meus pais; só descobri mais tarde. Encontrei os seus nomes num livro com as listas dos transportes de Wroclaw para Kowno. Afinal de contas, os nazis registaram os seus crimes burocraticamente. E quando me lembro que os meus pais tiveram de se despir numa floresta, que estavam alinhados com outras vítimas, depois simplesmente dispararam e depois caíram numa vala - isso é o pior para mim e muito mais horrível do que tudo o que vivi em Auschwitz".
Esther, num campo de trabalhos forçados perto de Fürstenwalde, 1942 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
O início da guerra impediu a emigração de Esther para a Palestina. Em junho de 1941, todos os campos de emigração foram encerrados e Esther foi enviada para um campo de trabalhos forçados, onde teve de trabalhar como operária forçada numa fábrica agrícola de Neuendorf, em Fürstenwalde. Mais tarde, ela considerou que este trabalho lhe era agradável, apesar das inúmeras restrições. Os seus empregadores trataram-na bem e, ali, ela também teve a sua primeira relação séria. Pouco tempo depois, as condições na fábrica agrícola de Neuendorf também se tornaram mais severas, tal como o regulamento para trabalhar na floricultura, onde só lhe era permitido trabalhar no armazém. Em abril de 1943, o campo de trabalho foi encerrado e ela foi enviada para o campo de recolha de judeus de Berlim, em Große Hamburger Straße (uma antiga escola judaica e hospício). De lá, foi deportada para Auschwitz, onde chegou a 20 de abril de 1943.
Excerto da lista do Transporte n.º 37, de Berlim para Auschwitz, onde Esther surge identificada como proveniente da fábrica agrícola de Neuendorf e registada com o número 32367 (Fonte: https://collections.arolsen-archives.org/)
Depois de dois anos a servir num campo de trabalho perto de Fürstenwalde, Esther Bejarano foi deportada para Auschwitz, com 19 anos, no Transporte n.º 37 que partiu da plataforma 17, da estação de Grunewald, no dia 19 de abril de 1943, véspera da Páscoa Judaica e, por coincidência, no dia do início da revolta no Gueto de Varsóvia. Nesse dia partiram dois comboios de Berlim, um com cerca de 100 judeus que foram enviados Theresienstadt e o n.º 37, com 681 judeus, com destino a Auschwitz.
Os prisioneiros não sabiam para onde iam os vagões de gado nos quais viajavam. O comboio estava sobrelotado de pessoas. Como testemunha, ainda hoje, Esther Bejarano “Os vagões estavam demasiado cheios, e se queríamos ir à casa de banho, tínhamos de passar por cima uns dos outros para chegar a um balde que estava num canto. O ar era terrível e foi-se tornando cada vez pior.”). Durante a viagem que parecia interminável, pessoas mais velhas e fracas morreram. Nas diversas paragens que o comboio fazia, os prisioneiros achavam que “iam conseguir sair e escapar àquele cheiro terrível.”
No dia 20 de abril de 1943, as portas abriram-se e os prisioneiros foram recebidos de forma amigável, por homens vestidos de civis que afirmavam que tinham chegado a um campo de trabalho. Separaram homens de mulheres. Pessoas com deficiências físicas ou doentes, e mulheres grávidas, com filhos pequenos ou com mais de 45 anos seguiam para camiões. “Alguns jovens, que queriam ir com os pais, foram impedidos. Deviam seguir para os pavilhões. Os camiões seguiram para as câmaras de gás, mas na altura ainda não o sabíamos” refere Esther.
De facto, à chegada a Auschwitz, após a seleção, 299 homens receberam os números 116754 a 117052 e 158 mulheres receberam os números 41870 – 42027, tornando-se prisioneiros. As restantes 224 pessoas foram imediatamente assassinadas nas câmaras de gás. Os homens foram para outro campo e quando as mulheres (incluindo Esther) entraram pelos portões foram recebidas com as seguintes palavras: “Seus porcos judeus, agora vamos mostrar-vos o que é trabalhar”. Foram retirados aos prisioneiros todos os seus bens e tudo aquilo que pudesse revelar a sua identidade. Trocaram os seus nomes por números. Esther recebeu o número 41948. Quando lhes foi entregue a todas o uniforme de prisioneiras aperceberam-se, finalmente, que estavam num campo de concentração (nos campos de trabalho não se vestia este tipo de roupa).
As recém-chegadas foram distribuídas por diferentes blocos, tendo Esther e as amigas ficado num bloco com beliches. Em cada beliche dormiam de 8 a dez mulheres. Não havia cobertores, pelo que se deitavam diretamente em tábuas. Repararam que as pessoas que já estavam no campo há muito tempo estavam fracas, debilitadas e doentes, o que não era surpreendente tendo em conta o que comiam e as condições em que viviam. Lembra Esther: “ao pequeno almoço comíamos uma ração de pão, distribuído na noite anterior, acompanhado de uma mixórdia que era suposto ser chá. Não havia copos. Cada prisioneiro tinha uma tigela de esmalte para comer e beber.”
Depois de verificar a presença dos presos, estes eram organizados em grupos de trabalho. A Esther foi atribuído, inicialmente, o trabalho de reunir grande pedras num campo, sem qualquer objetivo, o que a fazia sentir uma inútil. Os SS, sem compaixão, tinham orgulho em bater nas mulheres indefesas que não conseguiam fazer eficazmente o trabalho. “Acho que se não tivesse saído deste grupo, não tinha sobrevivido.”
À medida que os dias passavam, no campo a música começou a tornar-se uma imprescindível ajuda para Esther: “Cantei canções […] para alguns prisioneiros mais velhos, que me davam alguma da sua comida em troca” e, entretanto, a maestrina Zofia Czaykowska pediu às prisioneiras mais velhas que lhe indicassem aquelas que tinham conhecimento musical para entrar na Orquestra Feminina de Auschwitz, tendo Esther sido recomendada juntamente com duas amigas.
Esther sabia tocar piano, mas não existia este instrumento em Auschwitz. Czaykowska sugeriu-lhe que tocasse acordeão. Apesar de nunca ter sequer pegado num acordeão, Esther afirmou saber tocar. Com sucesso atendeu ao pedido e conseguiu tocar a música “Du hast Glück bei den Frau’n, Bel Ami”, um êxito dos anos 30. “Consegui tocar os acordes certos. Foi como se fosse um milagre. Eu não tive nenhuns problemas com a minha mão direita, porque eu sabia tocar piano e imediatamente encontrei o teclado, mas os graves são do lado esquerdo e apenas graças à minha boa audição, consegui ouvir os tons corretos.” As suas amigas também foram aceites, Hilde como violinista e Sylvia como flautista.
Em consequência deste recrutamento para a orquestra, Esther e as amigas mudaram-se para o pavilhão funcional onde dormiam as músicas e as condições eram melhores. As camas tinham almofadas, lençóis e cobertores. Algumas das mulheres que trabalhavam no Armazém (Effektenkammer) dormiam também no bloco da Orquestra. O Armazém estava cheio de tudo o que tinha sido roubado dos transportes em toda a Europa. Roupa, sapatos, cosméticos. Tudo era separado, etiquetado e empacotado para ser enviado para o Reich, para instituições de beneficência. Sempre que podiam, as prisioneiras trocavam comida por camisolas, casacos, escovas dos dentes ou sabão junto das mulheres que trabalhavam neste armazém. Uma vez, Esther trocou a ração de uma semana por uma camisola quente. “Passei fome durante uma semana mas valeu a pena, ainda usei essa camisola muito tempo.”
Apesar das melhores condições do bloco atribuído à orquestra feminina a comida era a mesma em todo o campo. Como recorda Esther, “de manhã chá, ao almoço e jantar uma sopa que só comíamos para aquecer. Era de cascas de batata e urtigas ou outras ervas. Comíamos todos a sopa, apesar do sabor horrível.”
No início, a orquestra não conseguia tocar ainda nada em conjunto. Depois de três semanas de preparação começaram a tocar as marchas ao portão quando os trabalhadores entravam e saíam. Quando vinham os chefes da SS ao campo, os SS gabavam-se da sua orquestra. Estas visitas serviam só para verificar como eram torturadas e mortas as pessoas no campo. Quando novos prisioneiros chegavam para ir para as câmaras de gás, como a orquestra tocava ou ensaiava perto do portão parecia que estava ali para acalmar aqueles que caminhavam para a morte (sem saber). Recorda Esther, com emoção: “As pessoas chegavam, ouviam a música e pensavam que se havia música, não havia de ser assim tão mau. Era tão horrível para nós o peso desta farsa!” Entretanto, chegaram ao campo duas novas mulheres, irmãs provenientes da Grécia, que passaram a ser membros da orquestra. Uma delas, Lilly Assael, era uma excelente acordeonista, pelo que Esther perdeu o seu lugar na orquestra. Felizmente, lembrou-se que sabia tocar flauta, mas nessa altura adoeceu com febre tifóide. Esta doença deixou-a muito fraca, sem conseguir tocar. Ao ser transferida para a enfermaria cristã, a pedido do SS Hauptscharführer Otto Moll, recebeu melhores cuidados e conseguiu recuperar em quatro semanas. No entanto, quando regressou, ainda não conseguia tocar flauta. A maestrina Czaykowska solucionou a situação ao pedir a uma guitarrista que a ensinasse a tocar.
Início do testemunho de Esther Bejarano ao Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau, em 1994 (Fonte: Arquivo do Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau)
Esther estava há seis meses na orquestra, já sob a batuta de Alma Rosé, quando num Appell, de manhã, fizeram um anúncio: todas as prisioneiras que tinham algum sangue ariano deviam reportar-se aos prisioneiros mais velhos/encarregados. Depois de se comprovar a situação, iriam para um campo melhor. Esther ficou indecisa, por um lado não queria abandonar as amigas, por outro lado aquela podia ser a sua única oportunidade para sair de Auschwitz. Depois falar com as suas companheiras sobre a situação, concluiu que era seu dever sair para um dia testemunhar os horrores que se viviam lá dentro. Esther foi a única do seu bloco que se candidatou, pois tinha um quarto de sangue ariano por parte da sua avó católica.
Esther foi submetida a um exame no gabinete médico de Mendele. Setenta mulheres comprovaram ter metade ou um quarto de sangue ariano. Foram, então, colocadas num comboio (com melhores condições do que aquele que a havia transportado para Auschwitz) com destino a Ravensbrück sob vigilância das SS. Esther recorda: “A despedida das minhas companheiras foi muito difícil.”
Ao chegar a Ravensbrück, em novembro de 1943, Esther e as outras mulheres começaram por ficar quatro semanas de quarentena, nas quais não tiveram de trabalhar. Foi-lhe atribuído o número de prisioneira 23139. A comida era muito melhor do que em Auschwitz. Após a quarentena foram levadas para outro pavilhão que Esther considerava ter “prisioneiros muito diversificados”. Durante um mês trabalhou a carregar e descarregar vagões de carvão. Este trabalho era sujo e pesado. Não se considerando capaz de o conseguir fazer por muito tempo, candidatou-se a trabalhar para a Siemens. “Era preciso fazer um teste, que era muito fácil, e assim comecei na Siemens.” A fábrica era grande e foi atribuído a Esther trabalho de montagem no pavilhão 4 onde se construíam equipamentos para submarinos. Esther afirma que também aí se procedeu à sabotagem. Montavam deliberadamente os interrutores de forma incorreta.
Os responsáveis eram civis e deslocavam-se todos os dias de Berlim. Esther considera que dois deles eram especialmente simpáticos, incluindo a sua responsável, Frau Hintze. Esta, por vezes, levava-lhes comida ou levava o correio das prisioneiras para enviar em Berlim. “Esta ajuda era especialmente importante. Eu ainda tinha uma tia em Berlim. Era irmã do meu pai, era meia judia, tinha casado com um alemão e tinha conseguido ficar em Berlim. Escrevi-lhe algumas cartas, que a Frau Hintze enviou por mim.” Esther trabalhou na Siemens durante dois anos até que, em janeiro de 1945, foi avisada de que juntamente com os setenta miscigenados, iria tirar a estrela que a identificava como judia sendo esta substituída por um triângulo vermelho (símbolo dos prisioneiros políticos). “Fomos declarados arianos e até se falou de uma possível libertação. Podíamos receber cartas e encomendas. Que absurdo! Quantos miscigenados tinham sido assassinados, e agora eu devia sentir-me ariana?”
Esther usufruiu dos privilégios do seu novo estatuto, mas declara que continuou a ser judia no seu coração. A tia que tinha em Berlim passou, assim, a poder enviar-lhe comida, roupas interiores e camisolas que fizeram com que o tempo final em Ravensbrück fosse muito mais suportável.
Frau Hintze explicou às prisioneiras que a situação política era complicada. Os russos marchavam a caminho de Berlim e a guerra fora declarada como praticamente perdida. No final de abril de 1945, passou uma mensagem secreta de pavilhão em pavilhão: as mulheres deveriam vestir roupas civis por baixo da roupa de prisioneiras, uma vez que os russos se aproximavam e elas seriam evacuadas. Esta informação tinha vindo das prisioneiras comunistas que haviam construído um rádio no teto da sua barraca.
À medida que os Aliados se aproximavam, a evacuação teve início e todos aqueles que conseguiam andar receberam ordens para sair. Esther foi obrigada a integrar estas terríveis marchas da morte. “Ao longo de vários dias marchámos através de cidades, florestas e campos. Quem caía ou já não conseguia andar era alvejado pelos SS, apesar de saberem que a guerra estava no fim. Assim, houve prisioneiros que sobreviveram à tortura, às doenças, à fome e ao frio para serem mortos no último minuto pelos fascistas.”
Ao chegar ao campo de concentração de Malchow, Esther reencontrou várias companheiras, incluindo a sua melhor amiga Mirjam Edel. “Íamos numa fila de sete. Que alegria o reencontro, e andarmos juntas para a liberdade.” Para comer, recebiam pacotes que tinham sido enviados para os campos de concentração por instituições internacionais. Cada pacote tinha de durar o caminho todo. Apesar de haver conservas, bolachas de água e sal, corned beef e sardinhas, era muito perigoso começar a comer assim de repente alimentos tão ricos, pois muitos prisioneiros já não os conseguiam processar. “O nosso estômago ia ter de se habituar à liberdade.”
Nenhum dos prisioneiros sabia para onde se dirigia. De noite, ficavam geralmente em praças de cidades pequenas, deitados ou em pé. “As noites estavam bastante frias e tínhamos pouca roupa vestida. O chão estava gelado, mas aproveitávamos sempre a oportunidade de descansar.”
Ao fim de cinco dias de marcha, Esther e as companheiras ouviram um SS a dizer ao outro que já não tinham autorização para atirar. Decidiram, então, fugir do grupo e seguir sozinhas. Quando estavam a passar por uma floresta, aproveitaram e esconderam-se por trás de arbustos e árvores uma de cava vez. Esperaram algum tempo e, quando pareceu que estavam em segurança (não havia nenhum SS à vista), tiraram as roupas de prisioneiras e deitaram-nas fora. Juntaram-se às pessoas de Berlim e arredores que estavam em fuga do exército vermelho.
Não sabiam para onde iam, mas ao chegar a uma aldeia um agricultor acolheu-as, deixando-as dormir no celeiro. “Não dizíamos a ninguém que vínhamos dos campos de concentração, tínhamos demasiado medo.” No dia seguinte, a 3 de maio de 1945, o agricultor acordou-as dizendo que estavam rodeadas de tropas dos aliados: “Se forem para a esquerda, encontram os americanos. Se forem para a direita, encontram os russos”.
Mal saíram encontraram dois tanques americanos que as acolheram de forma simpática. “Quando lhes mostrámos os números tatuados, beijaram-nos e abraçaram-nos com alegria por nos terem salvo.” Esther e as companheiras não tinham bom aspeto, estavam muito magras e fracas. Os soldados levaram-nas para a cidade de Lübsch onde as convidaram para ir a um restaurante. Durante o jantar, Esther e a sua amiga Irmgard, como felizmente sabiam falar inglês, contaram tudo sobre o campo de concentração, incluindo o facto de terem feito parte da orquestra. Meia hora mais tarde um soldado abordou Esther com um acordeão: “É um presente para ti, vamos cantar e tu tocas”. Beberam café, comeram bolo, chocolate e bolachas (tudo oferecido pelos americanos). Cantaram todos juntos e eles arranjaram-lhes quartos para dormir. “Encontrámo-nos com eles de novo à tarde, pareciam mesmo alegres por nos terem encontrado. Sentados confortavelmente, ouvimos de repente um grande alarido, sons de alegria. Era o exército vermelho que chegava. Russos e americanos abraçaram-se com euforia. Todos estavam felizes por a guerra ter acabado. Um soldado russo trouxe um retrato gigante de Adolf Hitler para o meio da praça. Um outro gritou “Precisamos de música, quem sabe música?”. Peguei no meu acordeão e juntei-me a eles, todos à volta da fotografia. Um soldado russo e outro americano pegaram-lhe fogo. A imagem ardia, os soldados e as raparigas do campo de concentração dançavam à volta da imagem e eu tocava acordeão. Nunca vou esquecer esta imagem.”
Ficheiro de registo de sobrevivente de Esther Bejarano (Fonte: : https://collections.arolsen-archives.org/)
Depois de ser libertada, Esther viveu durante algumas semanas no Gehringshof, perto de Fulda, uma antiga propriedade agrícola transformada em campo de preparação para emigrantes judeus para a Palestina, com cerca de 70 outros sobreviventes dos campos de concentração, incluindo Karla Wagenberg, outro membro da orquestra feminina de Auschwitz. Gehringshof foi também chamada pelos seus habitantes de Kibbutz Buchenwald. Assim, em meados de agosto de 1945, Esther Loewy partiu para a Palestina. Foi de comboio pela primeira vez para Marselha onde conseguiu papéis falsificados que lhe facilitaram a viagem. Chegou a Haifa em 15 de setembro de 1945. De lá foi enviada para o campo de detenção de Atlit, construído nos anos 30 pelas autoridades responsáveis pelo Mandato Britânico na Palestina, para receber os refugiados judeus provenientes da Europa e impedi-los de entrar na Palestina. Tendo sido encerrado em 1942, este campo, rodeado de arame farpado e torres de vigia, reabriu em 1945 para receber os sobreviventes dos campos de concentração nazis, como Esther, que emigravam para a Palestina através de redes clandestinas, como a Berihah e a Ha'apala ("Aliya Beth").
Jovens sobreviventes dos campos de concentração à chegada ao campo de Atlit, Palestina, 1945 (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Atlit_detainee_camp)
Numa entrevista publicada em abril de 2010, Esther Bejarano explica: “Entrei na Palestina ilegalmente, porque não havia documentos em meu nome. Havia muitos casos assim. Ficamos felizes em morar lá. Era para ser a minha nova pátria, mas afinal cheguei a um lugar cercado por arame farpado novamente. Fiquei aterrorizada por estar num campo de concentração novamente. Fiquei terrivelmente desapontada. Sobrevivi a Auschwitz e Ravensbrück para estar de novo presa? Aqueles que tinham parentes ricos na Palestina poderiam ser levados por eles do campo. Felizmente, a minha irmã Tosca morava lá com o marido e eles pagaram a minha libertação.”
Esther com o seu cunhado Hans Lebrecht, logo após a sua chegada à Palestina, 1945 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Assim, após vários dias de quarentena em Atlit, Esther foi recolhida pela sua irmã Tosca, que inicialmente a alojou no seu pequeno apartamento em Sh'chunat Borochov. Depois foi para o Kibbutz Afikim, onde viveu durante três meses. Aí queria começar a estudar canto, mas como não queria esperar dois anos, voltou a Borochov. Os judeus tinham sido proibidos de frequentar a escola quando ela tinha 16 anos e com 18 foi deportada por isso as suas únicas habilidades adquiridas eram físicas e musicais, apesar disso arranjou trabalho numa fábrica de cigarros. Vários seguidores do grupo radical sionista Lechi, com quem ela nada queria fazer, também trabalhavam lá. Por isso, despediu-se e trabalhou como educadora de infância.
Esther, à esquerda, como acordeonista, no jardim de infância em Ramat Gan, na Palestina, 1946 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Pouco tempo depois pôde começar os seus estudos de canto em Telavive com Emma Gillis e mais tarde com Konrad Mann. Após os dois anos de formação, juntou-se ao "Ron Choir", um coral de trabalhadores comunistas, onde conheceu o seu marido Nassim Bejarano.
Apresentação do coral de trabalhadores “Ron Choir” (Esther na primeira fila à direita do Maestro), no 1º Festival Internacional da Juventude em Praga, 1947 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Em 1948, Esther foi recrutada para o serviço militar estacionada em Jaffa. Durante a Guerra da Independência, ela atuou em campos militares. Devido à proximidade de Telavive, ela não teve de interromper as suas aulas de canto. Em 1949, foi-lhe dada licença pelo exército para atuar novamente com o coro dos trabalhadores no festival da juventude, desta vez em Budapeste. Depois de deixar o serviço militar, tentou cantar, mas os seus ganhos dificilmente eram suficientes. Por isso, trabalhou em part-time como empregada de mesa. Tentou entrar para a Associação de Artistas de Israel, mas foi-lhe negado por enquanto o acesso devido ao seu trabalho para o Coro dos Trabalhadores, que também cantava canções comunistas.
Casamento de Esther com Nissim, em 1950, e o casal com a sua primeira filha Edna, em 1951 (Fontes: https://www.vogue.pl/a/muzyka-ocalila-mnie-od-zaglady e https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html
A relação com Nissim Bejarano foi feliz e os dois casaram em 23 de Janeiro de 1950, tendo Esther Loewy adotado o seu nome. A família mudou-se primeiro para Ramat ha-Chajal, depois para Beer Sheva. A 16 de maio de 1951 nasceu a sua filha Edna e a 2 de dezembro de 1952 o seu filho Joram. A partir daí, ela foi, antes de mais nada, uma dona de casa e mãe, pois o marido era camionista e andava muito na estrada.
À medida que as crianças foram crescendo, Esther começou a trabalhar como professora de música, primeiro no jardim de infância e mais tarde deu aulas de flauta numa escola média. Conseguiu chegar ao conservatório em Beer Sheva. Entretanto, o seu marido perdeu a sua posição de camionista devido ao seu envolvimento sindical e comunista. Foi recrutado de novo para o exército em 1956, tendo servido na guerra do Sinai. Foi aí que foi tomada a sua decisão de nunca mais ir para a guerra. Ao mesmo tempo, Esther não conseguia aguentar o clima em Israel. Tinha dores de cabeça frequentes e pouco apetite. Ao casal, restava-lhes como única solução emigrar para a Alemanha, o único país com quem Esther se identificava, tanto mais que não tinha perdido a nacionalidade alemã e seus conhecidos lhes tinham dito que a RFA era uma Alemanha completamente diferente daquela que conhecia, sem antissemitismo e sem odiar estrangeiros. Depois de passarem férias em Itália, Esther Bejarano regressou à Alemanha com a sua família, em 1 de junho de 1960. Ela financiou a viagem através de uma indemnização que tinha recebido devido à sua prisão no campo de concentração. Sendo que não quis ficar na mesma cidade onde viveu com os seus pais, mudou-se então para Hamburgo onde mora atualmente. Era a única que sabia a falar alemão na família, mas o seu marido e os seus filhos rapidamente se adaptaram à realidade alemã.
Esther Bejarano, na sua lavandaria, em 1960 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Esther Bejarano, na sua boutique, em 1981 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Após alguns anos, durante os quais a família teve de encontrar um emprego e gerir uma lavandaria e uma discoteca, Esther Bejarano abriu uma boutique em Hamburgo e o seu marido trabalhou como mecânico de precisão. A sua filha Edna Bejarano foi cantora do grupo de rock alemão The Rattles de 1970 a 1973.
Se no princípio, os Bejarano não se preocuparam com a situação política nem Esther gostava de falar do passado concentracionário, isso mudou repentinamente quando Esther Bejarano testemunhou a polícia a proteger um grupo do NPD (partido neonazi alemão) e a prender os contramanifestantes. Tendo ficado completamente chocada, juntou-se, no dia seguinte, à Associação dos Perseguidos pelo Regime Nazi - Associação de Anti-Fascistas. O ativismo político passou a ser algo essencial para ela desde então: "Como uma pessoa politicamente interessada, tenho que ver o que está acontecendo e lutar contra isso".
Regressar ao passado em cada testemunho, nunca foi fácil para Esther. Como referiu, primeiro teve se se reencontrar no mundo. De tal forma isto era doloroso, que Esther removeu o seu número do braço durante uma das suas visitas a Israel na década de 1970, pois não conseguia mais olhar para ele. Na Alemanha, estavam sempre a questioná-la se conhecia familiares desaparecidos nos campos, tendo mesmo chegado a ouvir questões idiotas, como um homem que no metro lhe perguntou se aquele era o seu número de telefone e lhe podia ligar à noite. Assim, numa das visitas a Jerusalém, um homem árabe ofereceu-se para remover a tatuagem e ela concordou, mas não era muito engenhoso e dali resultou uma infeção horrível seguida de uma cicatriz. A sua consciência política e cívica tornava-se cada vez mais importante pelo que, desde o episódio de não reação da polícia a um grupo do NPD, decidiu que estava na altura de contar tudo o que lhe tinha acontecido durante a guerra. Começou a explorar a sua própria história e a documentar a sua vida e, nos anos 80, começou a empenhar-se mais intensamente. Em setembro de 1982, por exemplo, ela apareceu como uma das duzentas artistas pela paz no Estádio do Ruhr. Harry Belafonte, entre outros, participou neste concerto.
Esther Bejarano no concerto «Artistas pela paz», em 1982 (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Em 1986, Esther Bejarano fundou o Comité de Auschwitz para a República Federal da Alemanha, que se reunia todos os sábados no seu apartamento. A comissão, que ainda hoje existe, sente-se comprometida com o juramento de Buchenwald. Organiza viagens educacionais a campos de concentração, conversas com testemunhas contemporâneas nas escolas e eventos contra o esquecimento. O Comité Auschwitz também publicou a sua biografia «Wir leben trotzdem: Esther Bejarano».
Esther Bejarano numa visita a Auschwitz-Birkenau, em 1984 (Fonte: https://www.vogue.pl/a/muzyka-ocalila-mnie-od-zaglady)
Em 1987, lançou o LP «Canções da Resistência». Os músicos que a acompanham são o grupo musical Siebenschön, que co-fundou em meados da década de 1980. Atuou com este grupo em 1987, em Vancouver. Um ano depois, juntamente com a filha Edna e o filho Joram, fundou o grupo «Coincidência» com canções dos guetos e judaicas, bem como canções antifascistas. Em 1995, o grupo atuou em frente ao Bundestag (Parlamento) alemão no Dia da Memória de Auschwitz, por iniciativa do político Antje Vollmer. Nissim Bejarano, marido de Esther, faleceu em 1999, após uma longa doença. Ele sofreu de doença de Parkinson durante anos e Bejarano cuidou dele durante muito tempo.
Esther e Nissim Bejarano, em 1998 (Fonte: https://www.vogue.pl/a/muzyka-ocalila-mnie-od-zaglady)
Apesar da sua idade, o seu entusiasmo não diminuiu. Em 31 de Janeiro de 2004, Bejarano participou numa manifestação em Hamburgo contra uma marcha nazi, onde, segundo Bejarano, a polícia apontou um canhão de água diretamente para o carro em que estava sentada a então jovem de 79 anos. Em 2006, foi uma das apoiantes da "Declaração de Berlim" da iniciativa Schalom5767 - Frieden 2006, que defende uma política palestiniana diferente. Em junho de 2009, a banda de hip-hop de Colónia «Microphone Mafia» contactou Esther Bejarano. A Microphone Mafia pertence à primeira geração de músicos de hip-hop alemães e foi formada nos anos 90 como uma banda de hip-hop essencialmente política. Com empenho antifascista, procuravam formas de introduzir os estudantes de hoje nos horrores da era nazi. Assim, convidaram Bejarano para o seu projeto musical e, após os primeiros ensaios em conjunto, ela concordou. Em 2012, foi lançado o álbum conjunto «Per La Vita» («Pela Vida»), no qual os seus filhos Edna e Jorem Bejarano também participaram. O álbum foi um sucesso e, especialmente, os concertos tiveram muito público. Assim, o projeto continuou em 2013, com «La Vita Continua». Em apenas três anos, a banda tocou mais de 170 concertos.
Esther e os «Microphone Mafia» (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
São inúmeras as intervenções públicas e políticas de Esther Bejarano, ainda hoje, a caminho dos 96 anos. Esther continua a visitar escolas juntamente com a banda «Microphone Mafia» e relata aos jovens como foi ser uma judia perseguida e como conseguiu sobreviver através da música. Usa o seu testemunho para nos avisar dos perigos do fascismo e do medo que tem de alguns desenvolvimentos atuais.
Esther fala com um grupo de jovens (Fonte: https://www.ndr.de/geschichte/auschwitz_und_ich/Esther-Bejaranos-Leben-in-Bildern,bejarano111.html)
Encontro, na Escola Alemã de Lisboa, de alguns alunos do Projeto N.O.M.E.S. com a sobrevivente da Orquestra Feminina de Auschwitz, em 2020
Encontro com a sobrevivente da Orquestra Feminina de Auschwitz Esther Bejarano
No dia 19 de fevereiro de 2020, nove alunos que frequentam o Projeto N.O.M.E.S. e estão a estudar a Orquestra Feminina de Auschwitz e a história de vida de algumas das mulheres que nela participaram, a docente responsável pelo Projeto e uma Encarregada de Educação, deslocaram-se até à Escola Alemã de Lisboa para um emotivo encontro com a sobrevivente daquela orquestra, Esther Bejarano.
O sacrifício de tão cedo se terem levantado, pouco depois das quatro da manhã, nem sequer foi sentido pelos alunos, «tanto era o entusiasmo» como refere a Mariana Almeida, do 9.º C. Chegado à Escola Alemã, o grupo foi recebido por Rita Dantas, elemento do Departamento de Comunicação desta instituição de ensino, e a principal responsável por ali se encontrarem. Rita foi de uma simpatia extrema e uma excelente anfitriã, tendo acompanhado sempre o grupo, apresentando os diversos espaços da Escola e «esclarecendo todas as nossas dúvidas acerca do funcionamento da mesma», como descreveu a Maria João Pereira, também do 9.º C.
Chegadas as 10:00, o grupo foi conduzido ao grande auditório da Escola e só então percebeu que iria ter o privilégio de assistir a praticamente todo o espetáculo que havia sido dado na noite anterior naquele mesmo espaço. Primeiro visionou, com a tradução sempre atenta de Rita Dantas, o espetáculo de circo “Circo.Liberdade. Gleichschaltung”, do Circo CiNS, baseado na história de Irene Bento, uma artista de circo judia, que foi perseguida pelos nazis, tendo sido proibida de trabalhar. Irene esteve escondida num circo ariano durante todo o período nazi, escapando assim à deportação e sobrevivendo com parte da sua família. Como escreveu a Mariana, já este espetáculo «deu a entender que a perseguição aos judeus foi um processo gradual», referindo a aluna que começou a questionar-se «como é que tanta gente, ao ver as medidas cada vez mais extremas serem tomadas consentiu com o processo ou preferiu fingir que nada estava a acontecer!»
Entretanto este espetáculo terminou e Esther Bejarano chegou ao palco, tendo sido «recebida com uma grande e merecida salva de palmas» como refere a Teresa Cunha, do 9.º D, acrescentando o Lourenço Pacheco, do 9.º C, que afinal, «não é para qualquer um viajar pelo mundo a espalhar a sua experiência com 95 anos!» Esther leu o seu testemunho, contou a sua história, em alemão, e, mais uma vez graças a Rita Dantas, o grupo tudo pôde acompanhar pois já tinha recebido a tradução do texto no telemóvel. Como descreve o Tomás Miranda, do 9.º C, a presença de Esther em palco «impunha respeito e ao mesmo tempo era aconchegadora» e à medida que ela ia dando o seu testemunho o grupo foi-se emocionando, ficando «com a lágrima no canto do olho», confessou o Tomás.
Depois do seu extraordinário testemunho, Esther respondeu ainda a várias questões colocadas pelo público estudantil presente, tendo o grupo tido a oportunidade de colocar apenas uma questão: «Auschwitz mudou a forma como acredita em Deus?» Esther, como relatou a aluna Mariana Almeida, explicou que «nem sequer vinha de uma família ortodoxa, ou seja, não era muito religiosa, o que é irónico tendo em conta que era o facto de ser judia a razão pela qual foi presa! Referiu também que depois da trágica experiência que viveu deixou de acreditar em Deus», o que na opinião da aluna «é compreensível». Já o Lourenço considerou aquela «resposta bastante interessante, visto que […] achava que Esther ia responder exatamente o oposto, uma vez que tinha sobrevivido poderia ainda mais confiar em Deus».
No final deste período de questões, o grupo foi ainda alegremente surpreendido pela notícia de que Esther iria dar um breve concerto em conjunto com o seu grupo de música 'Microphone Mafia'. Como refere o Lourenço, «uma das canções interpretadas pelo grupo foi Du hast Glück bei den Frauen Bel Ami, uma música popular no tempo da guerra e também a música que Esther tocou nos testes para entrar na Orquestra Feminina de Auschwitz. Quando soube disto admirei ainda mais a coragem e a força de Esther, porque estava a tocar uma música que provavelmente lhe trazia memórias terríveis e, portanto, muito sofrimento» e estava ali a cantá-la com grande alegria. De facto, Esther Bejarano dedica a sua vida a manter viva a memória do Holocausto. Com 95 anos continua em digressão, especialmente pelas escolas alemãs, tendo em 2019 dado cerca de 150 palestras/concertos. No final, o grupo teve, ainda, a oportunidade de se encontrar brevemente com Esther no palco. Como referem vários alunos, «fomos entregar-lhe o nosso presente, um ramo de rosas e uma espécie de acordeão, que tinha sido elaborado com muito esforço» e «que ilustrava vários episódios marcantes da sua vida. Esse foi sem dúvida o momento mais emocionante do dia». «Podíamos ver a emoção nos olhos de todos. As lágrimas de muitos olhos caíram quando ela disse: "Don't forget. No to war" ('Não se esqueçam. Não à guerra'). Disse-o numa voz muito querida e calma», pelo que a professora responsável pelo Projeto sentiu necessidade de lhe dizer «Dear Esther, you don’t believe in God, but you believe in good» («Querida Esther, não acredita em Deus, mas acredita no bem»), ao não estaria ali, naquela sala, a falar com centenas de alunos portugueses pedindo-lhes que eles não esqueçam e digam não à guerra. Como escreveu, ainda, a Mariana, «naquele momento todos nós percebemos que era nossa obrigação para com toda a gente que sofreu com o Holocausto, para com Esther e com nós mesmos fazer tudo o que está ao nosso alcance para não esquecer e para não deixar outra guerra assim acontecer!» Ou como salientou o Lourenço, «no final do dia apercebi-me que somos nós, os jovens, que temos o poder de impedir que isto aconteça outra vez» ou como refletiu a Maria Teixeira, do 9.º C, que deve lutar contra «o crescimento da extrema direita no mundo e contra o racismo». Como referiram todos, «não nos vamos esquecer nunca».
Texto adaptado das consultas e leituras a seguir identificadas, não tendo sido possível um trabalho rigoroso em termos de citações. Pesquisa e conceção finais: Afonso Teixeira, Camila Magalhães, Mariana Almeida e Renata Ferreira (9.º C)
Fontes primárias: Arquivo do Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau https://collections.arolsen-archives.org/ Testemunho de Esther Bejarano lido na Escola Alemã de Lisboa, no dia 19 de fevereiro de 2020.
Bibliografia: LACHENDRO, Jacek – “The orchestras in KL Auschwitz”, in Auschwitz Studies 27. Auschwitz-Birkenau State Museum in Oswiecim, 2015, p. 77-109.