Handa Pollak com dois anos, provavelmente no jardim da quinta familiar, em Olbramovice, 1933 (Fonte: Arquivo privado de Handa Drori)
Handa em 1934 (Fonte: https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931)
Handa Pollak nasceu, a 4 de novembro de 1931, em Praga. Durante a sua infância, antes da guerra, viveu com os pais numa aldeia no centro da Checoslováquia chamada Olbramovice, uma pequena aldeia a cerca de 60 quilómetros de Praga, onde a sua família tinha uma grande quinta. Handa era filha única, mas tinha muitos amigos: os filhos dos trabalhadores que viviam na quinta. A sua amiga mais antiga era um ano mais velha que ela e chamava-se Eva. Era a filha do médico e amigo de família Hugo Kohn. Handa e Eva ficaram amigas para a vida. Como a mesma refere no livro “As meninas do quarto 28”: “Eu adorava a quinta, amava os animais e lembro como gostava de andar descalça, de brincar com os animais e com as crianças da aldeia.”
Foto de Handa (é a criança vestida de preto) na sua quinta em Olbramovice, 1935 (Fonte: https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931)
Karel e Alice Pollak, pais de Handa, anos 20 (Fonte: https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931)
Handa viveu a maior parte do tempo em casa com o pai, Karel Pollak. Karel era agrónomo. Adorava a vida no campo e o trabalho na quinta, ao contrário da mãe, Alice, que preferia viajar para o estrangeiro, para ir ao teatro e às salas de espetáculos. “Voltava sempre com presentes e histórias estranhas, fazia bolos maravilhosos e saía de novo para a próxima vez.” Apesar de amar tanto o pai como a mãe, Handa sentia que a mãe era como uma criatura dos contos de fadas e o verdadeiro pilar da sua infância era o pai. Tanto que Handa não sabe exatamente em que altura é que eles se divorciaram, ainda que refira em alguns testemunhos que teria quatro anos, pois nada mudou. Sobre o pai, Karel, afirma Handa, no livro “As meninas do Quarto 28”: “Eu acredito que era impossível conhecer o meu pai e não gostar dele. Era agrónomo, estudara agronomia em Halle, Alemanha, e sabia tudo o que dizia respeito à natureza e à agricultura. Foi o único professor capaz de me fazer entender os segredos da Matemática. Era um homem bem-humorado e adorava piadas tolas, das quais era capaz de rir até que as lágrimas escorressem de seus olhos. Também gostava muito de cantar, mesmo cantando mal, e tinha uma grande habilidade manual.”
Handa com a mãe, a avó e a bisavó, s/d (Fonte: https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931)
Talvez por influência do pai e ao contexto em que passou a sua infância, Handa era apaixonada pelos animais e pela natureza, mas adorava fazer muitas outras coisas como nadar no Verão, patinar no gelo no Inverno, jogar futebol e ler livros como "O Livro da Selva". Eram uma grande família. Handa era próxima dos avós, tias e tios, visitando-os e recebendo visitas deles com regularidade.
Foto tirada na casa de alguns amigos. Handa estava muito feliz porque estava a segurar o gato, 1935 (Fonte: Arquivo privado de Handa Drori)
Até terminar o primeiro ano, Handa não sabia que era judia, nem sequer sabia o que isso significava, pois pertencia à única família judia da aldeia e não eram religiosos. Nunca se tinha sentido discriminada pela sua religião lá. De facto, a tradição judaica não era seguida pela família e, por isso, Handa só veio a saber que pertencia à religião quando recebeu o seu primeiro boletim escolar onde estava escrito: religião - mosaica. Como ela testemunha no livro “As meninas do Quarto 28”: “ainda me lembro de ter perguntado ao meu pai: Porque é que no meu boletim está escrito algo diferente do das outras crianças? E ele respondeu: Sim. Nós somos judeus. Mas isso não é importante. Nós somos checos, como todos os demais. Isso aí é somente outra religião.”
Escola em Olbramovice, 1.ª e 2.ª classes, com o professor Vošik, c. 1938 (Fonte: https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931)
Handa estudou dois anos na escola local, mas em 1939 os alemães ocuparam a Checoslováquia e tudo mudou. Desde os 5 anos que ouvia os adultos falarem sobre o perigo da Alemanha, mas todos sentiam que o seu país era forte e seguro e que Hitler nunca ousaria tentar invadi-los porque tinham um bom exército. “Que ingénuos!” Após a invasão, um comboio aparentemente interminável de soldados alemães passou por Olbramovice em direção a Praga. Os moradores ficaram parados na beira da estrada, a olhar atordoados para o exército que passava. Handa recorda-se: “nós também estávamos no portão de nossa propriedade, que dava diretamente para a estrada principal. Ainda me lembro da sensação que tomou conta de mim. Mesmo sendo jovem demais para entender o que se passava, senti que algo de muito mau estava a acontecer.”
Handa em Praga, em 1940 (Fonte: Arquivo privado de Handa Drori)
Depois da ocupação havia novas restrições quase todos os dias, principalmente para os judeus, até que um dia estes deixaram de estar autorizados a ser proprietários de terras. Karel Pollak tentou encontrar uma solução, propondo a um proprietário não judeu que lhe comprasse ficticiamente a sua quinta, mas assim que o contrato foi assinado foram expulsos pelo novo "proprietário". Mudaram-se então para Praga, onde vivia a maioria dos seus familiares.
Assim que chegaram a Praga, no ano de 1940, o pai de Handa deixou-a ao cuidado de uma das suas irmãs, Else Kraus, e do seu marido Rudi, na rua Veverkova, n.º 12, já que eles tinham filhos da sua idade – os seus primos Hans e Dora. Depois de viver um ano com a família Kraus, eles conseguiram obter o certificado para partir para a Palestina e Handa passou a viver com a mãe numa bela villa em Praga, no n.º 41, da Rua Pod Borislavkou, que esta tinha construído com a família da sua irmã. Era a primeira vez a viver com ela e sem o pai, que por esta altura estava com a sua irmã mais velha Hana Stein e o seu marido Max.
Arianização e confisco de propriedades de Alice Pollak, maio e julho de 1941 (Fonte: https://www.ushmm.org/)
Handa desfrutou da vida junto com a mãe até as autoridades alemãs descobrirem que esta nova villa pertencia a judeus e a quererem para um oficial das SS chamado Karl Rahm e os expulsarem. Como testemunha Handa: “os alemães queriam a nossa mansão e pressionaram a minha mãe e o seu cunhado a assinar um documento, no qual declaravam que estavam a entregar a mansão “voluntariamente” ao Terceiro Reich. Os alemães alegaram que a mansão estava destinada a Karl Rahm, pessoa que iríamos conhecer mais adiante como comandante de Theresienstadt. No entanto, a minha mãe e o meu tio Jaroušek não aceitaram assinar o documento e, por isso, foram convocados diversas vezes para comparecer na Gestapo. Lá eram ameaçados com as seguintes palavras: “Se assinarem, terão a nossa proteção. Se não assinarem, algo de muito mau acontecerá. Eles não assinaram.”
Pedido de emigração para Xangai entregue à Direção da Polícia de Praga, em 20 de outubro de 1940, e rejeitado em 7 de novembro do mesmo ano (Fonte: https://www.holocaust.cz/databaze-dokumentu)
Apesar desta recusa, todos os bens de Alice Pollak foram confiscados e arianizados como comprovam os documentos preservados pelo Museu e Memorial do Holocausto dos Estados Unidos em 1941, já depois de várias diligências da mãe de Handa para tentar sair do país, quer para os Estados Unidos, via Brasil, quer uma tentativa de emigração para Xangai, cujo pedido foi realizado em 29 de outubro de 1940 e rejeitado a 7 de novembro de 1940.
Registo da mãe de Handa na lista do Transporte B, de 21 de outubro de 1941, de Praga para o Gueto de Lodz (sétimo transporte para este Gueto, segundo com partida de Praga, com 1000 judeus) e página do livro de registos das casas no Gueto de Lodz, no caso de Alice Pollak, numa casa da Siegfriedstrasse, nr. 86 (hüttenwinkel 2) (Fonte: https://www.ushmm.org/)
Perante estas situações de recusa e tentativas de emigração, os alemães, finalmente, tomaram uma atitude bem mais simples. Organizaram um transporte, principalmente com pessoas cujos imóveis e outras propriedades cobiçavam. Na lista de um destes “transportes de capitalistas” também foram incluídos a mãe de Handa e o cunhado dela, Jaroušek. De facto, a 21 de outubro de 1941, Alice foi deportada para o gueto de Lodz, no segundo transporte a partir de Praga para este gueto, na Polónia, quando Handa tinha 10 anos. “Fui dar-lhe um último beijo e nunca mais a vi.” É desconhecida a data da morte da mãe de Handa. Terá morrido em Lodz ou sido deportada para algum dos centros de extermínio que entretanto serão construídos a Leste? Entretanto, Handa mudou-se para a casa do tio Hans (irmão do pai), na rua Meislova, n.º 19, mas ficou lá muito pouco tempo porque o tio morreu com um ataque cardíaco pouco tempo depois. E então mudou-se novamente, desta vez para a casa da tia Hana, na rua Holeckova, nº 61, onde estava o pai.
Karel Pollak, s/d (Fonte: BRENNER, Hannelore – As meninas do quarto 28. S. Paulo, Leya, 2014)
Dois meses depois, o seu pai foi deportado para Terezín no primeiro transporte, a 24 de novembro de 1941, que foram incluídos no “Aufbaukommando” (o comando de instalação do gueto) de Theresienstadt. Eram 342 homens jovens, artesãos e operários. A sua tarefa era a construção do gueto. Segundo Handa, “fomos informados de que os homens poderiam retornar a cada fim de semana, mas isso era uma mentira. Assim que chegavam a Theresienstadt, os portões fechavam-se atrás deles. Só era possível enviar cartões postais especiais de tempos em tempos e estes eram censurados. Era permitido escrever somente 30 palavras, em alemão e com letras maiúsculas.” Handa tinha ficado sem os seus pais e por isso estava com a tia Hana. Os transportes para Terezín começaram e ela esperava ansiosamente que a levassem para poder estar novamente com o pai. A 16 de julho de 1942 isso finalmente aconteceu: Handa e os tios chegaram a Terezín. “Que alegria foi para mim reencontrar lá o meu pai!” Apesar do reencontro, Handa não pôde ficar a viver com o pai, pois os homens e as crianças estavam alojados em locais diferentes.
Mapa do Gueto de Terezin com a localização do Abrigo de Meninas L410 (Fontes: http://svetanyc.com/wp-content/uploads/2016/02/Terezin.jpg e https://www.scrapbookpages.com/CzechRepublic/Theresienstadt/TheresienstadtGhetto/GhettoTour/Map.html)
Em Terezín havia vários quartéis ou pavilhões para soldados e casas habituais. O número de habitantes era geralmente cerca de 7000, mas para deportar para lá todos os judeus da Europa Central e Ocidental cada quarto tinha sido preenchido com camas de três andares. Num quarto viviam cerca de 20 pessoas e nos grandes salões dos quartéis/pavilhões muitos mais. No quarto 28, para onde Handa foi enviada, estavam entre 35 e 40 raparigas.
O Abrigo de Meninas L410 em Theresienstadt. A seta aponta o Quarto 28, onde viveu Handa durante a sua permanência no gueto (Fonte: Adaptado de BRENNER, Hannelore, As meninas do Quarto 28. S. Paulo: Leya, 2014)
O edifício L410 era o abrigo das raparigas no Gueto e onde as lições de arte eram dadas (foto atual) (Fonte: https://www.scrapbookpages.com/CzechRepublic/Theresienstadt/TheresienstadtGhetto/GhettoTour/Tour07.html)
O edifício L410, no qual se inseria o quarto 28 e onde ficavam as raparigas de língua checa, era um edifício amarelo de três andares localizado na praça do mercado e perto da igreja, atualmente na morada nám. ČSA 215. À entrada ficava o quarto das supervisoras ou conselheiras das raparigas e uma casa de banho com uma fila de torneiras com água fria. No primeiro e no segundo andar ficavam os quartos das raparigas, separadas por idades. Tinha ainda uma cave, um sótão e uma cozinha. Os rapazes de língua checa viviam no edifício L417, que tinha uma estrutura semelhante ao L410. No quarto 28, a maioria das raparigas tinha nascido em 1930 e entre 1942 e 1944 ali habitaram cerca de 70 raparigas entre os 12 e os 14 anos de idade. “Todas nos tornámos boas amigas e continuo em contacto com aquelas que ainda estão vivas.” A melhor amiga de Handa era Eva Landová (Evelina Merová), que encontrou muitos anos depois da guerra em Praga, o que lhes permitiu manter o contacto até hoje. A história de várias das jovens que viveram no Quarto 28 foi partilhada pela escritora Hannelore Brenner no livro “As Meninas do Quarto 28” e na exposição com o mesmo nome, que já foi traduzida para português.
Handa Pollak e as suas amigas do Quarto 28, incluindo a sua melhor amiga, Eva Landová (Fontes: Arquivo privado de Handa Drori, https://www.memoryofnations.eu/en/drori-roz-pollak-hana-1931 e https://newsletter.pamatnik-terezin.cz/evelina-merova-her-life-story/?lang=en)
Três semanas depois de chegar a Terezín, Handa apanhou escarlatina e ficou numa espécie de quarentena durante seis semanas. Os "cuidados de saúde pediátricos" (um departamento de administração judaica permitido pelos alemães) arranjaram diferentes espaços para crianças, incluíndo o L 410, onde ficaram as raparigas de língua checa, divididas por idade. Handa foi colocada no quarto 28 com as mesmas senhoras que tinham cuidado dela antes. A sénior era Ella Polak, a quem chamavam Tella.
Tella (Ella Pollak), uma das supervisoras do Quarto 28 e companheira do pai de Handa (Fonte: BRENNER, Hannelore – As meninas do quarto 28. S. Paulo, Leya, 2014)
Como se pode ler no livro “As meninas do Quarto 28”, estas “chamavam a sua supervisora principal de Tella. Seu nome verdadeiro era Ella Pollak e seu sobrenome igual ao de Helga e Handa é uma coincidência, pois “Pollak” é um sobrenome muito comum. “Tella” é uma contração de tia (em checo: “teta”) e Ella. Tella, com 30 anos de idade, assim como Eva Weiss, que tinha 20 anos na época, passavam a maior parte do tempo com as crianças. Uma cuidadora sempre passava a noite com elas. Naquela época, isso geralmente ficava por conta de Lilly Gross ou Laura Šimek.”
Ainda com base no mesmo livro, percebe-se que “Ella Pollak, nascida em 13 de junho de 1913 em Liberec/Reichenberg, tinha uma personalidade impressionante. Era professora de piano, tinha estudado música no Conservatório de Praga e associara-se ao movimento da juventude sionista Hechaluz. Seus pais e dois irmãos, que conseguiram imigrar a tempo para a Palestina, tentaram em vão convencê-la a dar o mesmo passo. Para Tella, ficar no país e apoiar as crianças era um dever. Até à sua deportação para o gueto, atuava como “Madrichah”, como se diz em hebraico. Tella era professora e tomava conta do sistema ilegal de ensino organizado pelas instituições sionistas em Praga.”
Em Terezín, “para onde foi enviada com um dos primeiros transportes no final de 1941, Tella deu continuidade ao seu trabalho. No primeiro semestre de 1942, junto com Eva Weiss, que era de Brno, Tella cuidou de um grupo de meninas instaladas no quarto 104 do Quartel Hamburgo. Mais tarde, algumas daquelas meninas passaram para o Quarto 28, entre as quais, Handa Pollak, na época com 12 anos de idade. Logo Tella iria desempenhar um papel decisivo na vida de Handa Pollak. Tudo tinha relação com o seu pai: Karel Pollak. Karel e Tella encontraram-se pela primeira vez no quarto 104 do Quartel Hamburgo. Tella, com seus olhos verdes, lábios finos, cabelos negros geralmente presos e muito bem vestida, despertou o interesse de Karel de tal maneira que este passou a nutrir grande afeição por ela. Uma afeição que foi correspondida por Tella. Quando foi criado o Quarto 28 no Abrigo para Meninas e Handa continuou aos cuidados de Tella, Karel Pollak passou a ter dois motivos para visitar o visitar o local sempre que possível, após seu trabalho diário na lavoura.
As meninas chamavam Karel Pollak de “Strejda”. Strejda é a palavra checa para “tio”. “Ele sempre estava disponível para nós”, lembram-se as meninas. “Sempre estava pronto para ajudar e consolar. Karel sempre tinha uma palavra amável para nos dizer.” Handa tinha orgulho de seu pai, com toda razão.
No quarto 28 tinham de se levantar às sete horas da manhã. Duas das jovens traziam o "pequeno-almoço": apenas um líquido preto a que davam o nome de café. Depois do “pequeno-almoço” aprendiam (apesar de ser estritamente proibido pelos nazis). “Queríamos aprender exatamente porque era proibido.” Não tinham livros, canetas nem lápis e então procuravam outras soluções, para poderem estudar história, geografia, inglês, alemão, anatomia, matemática, música, arte e até algum hebraico. Mas não todas ao mesmo tempo, já que dependia dos professores que estavam em Terezín no momento. Por exemplo, se um professor de inglês era deportado e um professor de matemática chegava ao gueto, passavam a aprender matemática em vez de inglês.
O ensino diário era um dos mais fortes esteios no quotidiano do Quarto 28. Oficialmente, o estudo era chamado de “ocupação”, pois o ensino havia sido proibido pelas SS. No entanto, atividades ocupacionais, tais como canto, pintura, artesanato, dança, desporto e jogos, que eram permitidas. “Basta que saibam contar até cem”, disse um funcionário do Ministério Rosenberg, resumindo assim os pontos de vista de Hitler sobre o tema raça superior e judeus inferiores, formulando um princípio decisivo na política do Nacional Socialismo. “Todo indivíduo letrado é um inimigo potencial.” Por esta razão, o sistema educativo em toda a área de ocupação alemã era controlado.
A autoadministração judaica tentava escapar deste controlo para não trair os seus objetivos e interesses pedagógicos. “Para tanto, a administração judaica deixou-se guiar pelo princípio de que o potencial intelectual dos adultos deveria beneficiar a geração mais jovem, e a transmissão do conhecimento e da cultura e tradição judaica deveria ser uma das tarefas mais importantes no gueto. […] Foi assim que a situação específica em Theresienstadt, como resultado dessas considerações, levou à elaboração de sistemas educacionais e de ensino sofisticados. […] De facto, as crianças tiveram a possibilidade de aprender mais do que crianças da mesma idade em Praga e Brno, pois uma escola primária checa não dispunha de professores tão altamente qualificados, artistas e mestres como os de Theresienstadt. Além do mais, o ensino era regulamentado em todo o “Protetorado”, o conteúdo programático estava formatado pela ideologia nazi e muitos assuntos eram proibidos. Em Theresienstadt isso não ocorria. Embora as crianças estudassem às escondidas e as aulas ocorressem de modo completamente não sistemático e adaptado às possibilidades do momento, essas crianças aprendiam muito mais em determinadas matérias, além de aprender também assuntos que foram proibidos pelos alemães.”
Ao meio-dia as meninas traziam da cozinha a sopa do almoço: água com alguns pedaços de pele de batata ou, num dia de sorte, com uma fatia de batata. À tarde estavam livres: às vezes realizavam alguma atividade desportiva com um grupo de rapazes, às vezes quem tinha pais em Terezín podia ir visitá-los. Às sete da tarde tinham de estar de volta ao quarto para ir buscar o "jantar": outro "café" ou o que sobrava da sopa. Não havia legumes, fruta, carne ou produtos lácteos, por isso estavam sempre com fome. Apenas recebiam cerca de dois terços de kg de pão a cada 3 dias e 100g de açúcar e 1 cm cúbico de margarina a cada 10. Até às 22 costumavam falar, cantar, contar histórias e assim por diante. Às 22 horas a luz era apagada.
No caderno de recordações de Flaška, pode ler-se esta nota de Tella: «Lembre-se sempre de nosso Quarto 28, pense em tudo o que aprendemos lá, pense naquilo que desejávamos ser e direcione sua vida futura de acordo com as regras que lá aprendemos. Tella, 5 de outubro de 1944 (Fonte: BRENNER, Hannelore – As meninas do quarto 28. S. Paulo, Leya, 2012)
Tella era muito humana, mas exigente com as meninas. “Como atenuar a tristeza que cada uma das meninas trazia dentro de si? Como reagir perante os seus medos, como responder às suas perguntas? Como garantir uma convivência pacífica numa comunidade de 25 a 30 meninas, convivendo num espaço tão pequeno? Somente poucas eram capazes de viver de acordo com regras. O sofrimento diário de cada uma já fornecia motivos suficientes para reclamar – do ar ruim do ambiente, da falta de espaço, da pouca comida, do barulho excessivo. Algumas já reagiam com agressividade quando a menina do beliche de cima colocava um pé no estrado. E a desarrumação constante, onde quer que você olhasse! Mas seria mesmo possível manter uma ordem nesse lugar apertado e cheio? Tella, pelo menos, exigia isso. E, de vez em quando, castigava duramente quem desobedecia as regras.” Handa também era desarrumada e não gostava muito das regras exigentes de Tella e, por vezes, ultrapassava as adversidades com muita criatividade. Um dia, aconteceu o seguinte: debaixo de um dos beliches foi encontrado um único chinelo abandonado. Era um chinelo velho e muito gasto, e seu par não foi encontrado, embora as crianças e Tella o procurassem com empenho. Para Tella, o chinelo perdido foi motivo de raiva. Para Handa e a sua amiga Fiška, no entanto, o desaparecimento do chinelo foi um grande estímulo. As meninas, inspiradas, escreveram uma pequena peça de teatro chamada “Trikena”. No papel principal, um único chinelo velho e despedaçado: “Um dia, um velho chinelo desparelhado apareceu debaixo de um dos beliches. Seu nome era Trikena. E todos os outros sapatos, os sapatos bons, zombaram de Trikena, pois ele estava sozinho e tão rasgado que ninguém queria usá-lo. Depois de algum tempo, Trikena morreu. Velho, cansado e abandonado. De repente, todos passaram a ter pena de Trikena, e os outros sapatos vieram correndo e lamentavam por terem sido tão maus com ele. Os sapatos se perguntavam: “O que podemos fazer para ressuscitá-lo? Nós fomos maus ao zombar dele e humilhá-lo”. E ficaram ali, suspirando, pareciam um coral de uma antiga tragédia grega.”
Páginas do diário “Všechno” de Handa Pollak, que lhe foi oferecido por Piňta Mühlstein (Pepiček em «Brundibár»), no seu décimo primeiro aniversário (Fonte: https://s3.eu-central-1.amazonaws.com/uploads.mangoweb.org/shared-prod/skautskyinstitut.cz/uploads/2015/01/Osobnosti_HPollakova_03.pdf)
As meninas riram muito com a peça do teatro de marionetes apresentada por Handa e Fiška, na qual os sapatos eram os protagonistas. A pequena peça de teatro pode ser lida no caderninho de anotações ou diário de Handa, que fora um presente de Piňta Mühlstein, por ocasião do 11.º aniversário de Handa, em 4 de novembro de 1942, e recebeu o nome de “Všechno”, que significa “Miscelânea”. E, de facto, Handa anotava nele de tudo um pouco: notas de sala de aula, fórmulas matemáticas, poesias, esboços de histórias e peças teatrais, desenhos e rabiscos.
O diário “Všechno” de Handa Pollak, publicado pelo Museu de Terezin (Fonte: https://www.facebook.com/TerezinMemorial/photos/a.922824684571777/922824754571770/?type=3&theater)
A proximidade, cumplicidade e amizade entre estas tão jovens raparigas do Quarto 28 uma espécie de comunidade: a Ma’agal. Esta é a palavra em hebraico para “círculo”, mas no quarto 28 tinha um significado mais especial: uma espécie de assembleia onde entrava, a cada mês, a menina que mostrasse fazer o melhor pelo quarto e pelas outras companheiras. Para isso, elas participavam nas limpezas, tinham de ser amigáveis com todas as outras meninas (mesmo as com quem não se davam tão bem) e mostrar empenho nas atividades. Fazer parte do Ma’agal era muito importante para elas.
Página do caderno de recordações de Flaška, onde se lê uma mensagem de Handa: “Lembre-se sempre, querida Flaška, de que houve um tempo em Theresienstadt, no qual passávamos o dia preguiçosamente e lembre-se também de que nunca perdemos a esperança de que a paz voltaria algum dia. Handa Pollak” (Fonte: BRENNER, Hannelore – As meninas do quarto 28. S. Paulo, Leya, 2014)
A Ma’agal tinha, inclusive, um hino, uma bandeira e uma espécie de juramento de lealdade. Na sua bandeira pode ver-se um círculo e, dentro dele, duas mãos entrelaçadas: um símbolo da perfeição e o ideal que todas procuravam. Uma comunidade sempre unida pela mesma esperança e desejo: que a Alemanha fosse derrotada rapidamente e a guerra, finalmente, terminasse. Sempre que uma das raparigas partia, um juramento era feito: “Sob o velho campanário, na Cidade Antiga em Praga, encontrar-nos-emos num dos primeiros domingos após a guerra.” Poucas foram as que puderam cumprir esta promessa.
A bandeira símbolo da Ma’agal do Quarto 28 (Fonte: https://www.room28projects.com/story/)
Handa Pollak participou, também, em "Brundibár", a ópera infantil composta por Hans Krása, que foi interpretada 55 vezes em Terezín. Como nos contou Handa, é a história de duas crianças pobres, Pepic'ek e a sua irmã mais nova Aninka. A mãe deles está doente e o médico manda-as levar-lhe leite. Eles vão para o parque onde o padeiro, o leiteiro e outros vendem os seus produtos. As crianças pedem ao leiteiro que lhes dê algum leite. Ele recusa-se e pede-lhes para pagarem primeiro, mas eles não têm dinheiro. Aí vem Brundibár, com a sua caixa de música, e as pessoas colocam moedas no seu chapéu. As crianças decidem cantar e receber moedas também, mas Brundibár afugenta-as. As crianças, cansadas, adormecem. À noite vêm um pássaro, um gato e um cão que lhes prometem ajudá-los. De manhã, vão a todas as aulas da escola para organizar os alunos para irem cantar com eles uma bela canção de embalar. As pessoas colocam muitas moedas no chapéu, mas o malvado Brundibár tenta fugir com o dinheiro. Um polícia prende-o e todas as crianças cantam uma canção de vitória sobre Brundibár.
Hans Krása assiste a um concert conduzido por Ančerl, Theresienstadt, 1943 (Fonte: http://atorod.pl/?p=1213)
As crianças que queriam participar na ópera tinham de fazer uma audição e as que sabiam cantar bem eram aceites. Handa costumava cantar no coro, mas todas as partes a solo eram estudadas por muitas crianças para que se uma estivesse doente ou fosse deportada houvesse sempre outro para cantar o seu papel. Handa era o cão número 5: se o primeiro e os outros não pudessem cantar, era a sua vez. Handa interpretou uma vez o papel.
A ópera «Brundibár», na sua apresentação final no Outono de 1944, para o filme de propaganda nazi «Theresienstadt», depois denominado «Der Führer schenkt den Juden eine Stadt» («O Führer dá uma cidade aos Judeus») (Fonte: https://www.holocaust.cz/en/history/events/brundibar/)
Handa considerava os ensaios divertidos, assim como todo o ambiente em «Brundibár», pois por um curto período de tempo era uma espécie de “fuga” do gueto e de todos os problemas. Nunca se sentiu triste ou explorada por ser uma personagem de substituição, porque fazia parte da vida no gueto as pessoas adoecerem ou serem deportadas e não havia nada a fazer para o evitar. Para as crianças que participavam na ópera, Brundibár era Hitler e conquistá-lo uma e outra vez era a sua forma de ajudar a pôr fim à sua crueldade. “Era tão frustrante que no dia seguinte todo o mal ainda estivesse lá...”.
Por ter participado em «Brundibár», Handa conheceu os músicos Hans Krasa (que frequentemente estava presente nos ensaios) e Rudi Freundenfeld, que dirigia o projeto. Handa conheceu, ainda, o maestro Rafael Schächter, quando Tella lhe permitia virar as pautas musicais enquanto tocava no velho piano o papel da orquestra nos ensaios do Requiem de Verdi. Em Terezín estava ainda o seu tio, Karel Ancerl, que era músico também. “Acho que nunca teria tido tantas oportunidades de ouvir tanta música boa de diferentes estilos em mais lado nenhum. Havia tantos músicos de câmara, clássicos, de jazz e de cabaret, já que todos tinham sido deportados para Terezín.”
Handa tem consciência que, no início, toda a vida cultural de Terezín era proibida e existia secretamente, mas que rapidamente os nazis perceberam que aquele lugar e aquelas pessoas podiam servir como boa propaganda, para mostrar ao mundo que a vida dos judeus de Terezín era boa. “Para nós, no entanto, era uma maneira de nos mantermos humanos e de nos revoltarmos.”
É neste contexto que, em junho de 1944, membros da Cruz Vermelha fizeram uma visita a Terezín. A delegação foi conduzida por Karl Rahm – o comandante do gueto – pela rua principal, limpa e preparada para a visita. Em seguida foram para um dos edifícios das crianças, onde estas eram servidas de sandes de sardinha por uma das enfermeiras enquanto diziam “Tio Rahm, outra vez sardinhas?” (um discurso encenado já que muitas das crianças nunca tinham sequer visto uma sardinha). Tinha sido montado um parque infantil bem equipado, que foi desmontado mal a delegação saiu. No final, foram levados para um salão fora do muro do gueto, onde foi apresentada parte da peça de Brundibar. Durante a visita apenas estavam autorizados a sair “atores” (pessoas jovens e com bom aspeto) escolhidos pelos nazis, que passariam uma boa impressão da vida no campo de concentração. “Esperávamos todos que eles não acreditassem no bluff dos alemães, mas eles nem se esforçaram. Ficamos muito desapontados ao saber que depois da visita a delegação reportou que, apesar de não serem livres, os judeus até viviam bastante bem…”
O pai de Handa era responsável pela distribuição de pão no gueto. Foi um trabalho importante que o protegeu – a ele e à filha - da deportação. Esta foi a razão pela qual ele casou com Tella depois de se terem apaixonado: para que ela também fosse protegida. Esta situação ajudou até ao Verão de 1944, quando os alemães já sabiam que iriam perder a guerra e agora o seu único objetivo era mandar o máximo de judeus para o extermínio, enquanto ainda pudessem.
A relação de Handa com o pai foi sempre de amor: em casa, na quinta, em todas as casas em que viveu em Praga e no último período que passaram juntos em Terezín. Depois de os habitantes não judeus da cidade terem sido transferidos para outros lugares, podiam andar no gueto durante o dia e Karel Pollak ia quase todos os dias ver a filha e fazer planos para quando regressassem a casa e continuassem uma vida feliz... o que infelizmente nunca aconteceu.
Mas Terezín era tudo menos um lugar onde o amor triunfava. Em Terezin, quando Handa tinha 12 anos de idade, viveu o seu primeiro amor, no entanto, o rapaz morreu nos campos. A sua avó Anna e todos os seus tios e primos também chegaram a Terezin. A avó morreu lá e o resto da família foi enviado em alturas diferentes (entre 1943 e 1944) para campos de concentração, principalmente para Auschwitz-Birkenau, tendo apenas um dos familiares sobrevivido.
No Outono de 1944 ninguém estava protegido e a 28 de setembro Karel Pollak foi deportado para Auschwitz no Transporte Ek, com 2499 homens. Como “chefe do campo de trabalho”, o engenheiro Otto Zucker foi encaixado nesse transporte, bem como outros membros do assim chamado “Comando de Theresienstadt”. Quase sem exceção, somente homens no auge de suas vidas deixaram Theresienstadt neste transporte, entre eles o cantor Karel Berman, os jovens violinistas Paul Kling e Thomas Mandl, Rudolf Freudenfeld, o diretor de Brundibár e também Karel Pollak – o Strejda, pai de Handa. Supostamente seriam enviados para Dresden, para concretizar um projeto de construção de um campo de trabalho. Deviam levar apenas os pertences e alimentos absolutamente necessários para um dia e foram informados de que manteriam contato com as suas famílias em Terezín.
Os seus últimos momentos juntos ficaram marcados na memória de Handa para sempre: “O dia que antecedeu o transporte de meu pai foi o Yom Kippur. Estávamos sentados na Bastei, acima do quartel dos Cavaleiros – Tella, o meu pai e eu. Conversávamos sobre a nossa vida após a guerra e prometemos uns aos outros que nos reencontraríamos, que sempre festejaríamos o Yom Kippur e que jejuaríamos nesse dia. Mas o meu pai nunca mais voltou.” Este Transport, Ek, com 2500 homens deixou Terezín em 28 de setembro e, no dia seguinte, chegou a Auschwitz-Birkenau. Houve um processo de seleção realizado logo à chegada e 1000 homens foram levados diretamente para as câmaras de gás.
Convocatória para o transporte de 23 de outubro de 1944, do legado de Otto Pollak, onde também iria Handa Pollak
Tradução:
«Atenção – Atenção!
Os vagões já foram disponibilizados e estão prontos para o transporte em frente à comporta. O embarque está começando.
Solicitamos que essa notícia seja publicada em todo o assentamento e em todos os aposentos das casas e prédios. As pessoas que participarão do transporte e que ainda se encontram fora da comporta, devem ser convocadas a comparecer imediatamente ao local, e devem ser informadas sobre as graves consequências no caso de não comparecimento.
Caso a solicitação para o imediato comparecimento não seja imediatamente atendida, o departamento de detetives deve ser direta e prontamente informado.
Chamamos a atenção da direção dos prédios para sua responsabilidade pela execução.
V/5 2699
Administração dos Prédios»
(Fonte: BRENNER, Hannelore – As meninas do quarto 28. S. Paulo, Leya, 2014)
Em outubro de 1944, seria a vez de Handa. Não se sabia qual era o destino dos transportes. Os alemães deixavam os prisioneiros a pensar que iam para um campo de trabalho, o que era provavelmente pior do que Terezín. Mas anda queria reencontrar o pai e por isso desejava também ser enviada para lá.
Lista de deportação do Transporte Et, de 23 de outubro de 1944, onde constam os nomes de Handa Pollak e Ella Pollak, com destino a Auschwitz e cartão de registo de prisioneira de Handa Pollak em Terezín, com a identificação do transporte inicial que a levou até ao gueto (em cuja lista constava com o n.º 738) e o transporte para Auschwitz (em cuja lista consta com o número 168) (Fonte: https://arolsen-archives.org/)
A 23 de outubro de 1944, Helga Pollak, Handa Pollak e a tia de ambas, Tia Hanička, a cuidadora Tella, Eva Stern, Laura Šimko, Kamilla Rosenbaum, Greta Hofmeister e, com elas, outros 1707 prisioneiros, deixaram Theresienstadt em direção a Auschwitz. Todas as pessoas que tiveram de ir nesse transporte foram registadas e colocadas num comboio, em vagões que normalmente transportavam gado, cerca de 80 pessoas em cada um. Receberam um pedaço de pão e havia um balde para a urina. A porta fechou-se e o caminho para um futuro desconhecido começou.
Numa noite, 2 dias depois, chegaram a Auschwitz-Birkenau. Gritaram-lhes para que saíssem e deixassem as malas no comboio. As mulheres com crianças formaram uma fila que ia dar a um cruzamento onde estava um homem das SS que enviava as jovens mulheres para a direita e as outras para a esquerda. Handa estava com Tella e tiveram a sorte de serem enviadas para a direita, para trabalhar. Como testemunha no livro “As meninas do Quarto 28”, a chegada a Auschwitz ficará para sempre gravada na memória de Handa Pollak: “Após a primeira seleção, logo que chegamos, fomos enviadas para os chuveiros, o que provocou uma grande comoção e me deixou em estado de choque. Era como um terrível pesadelo: tínhamos que nos despir e as nossas cabeças foram raspadas. A partir do momento em que as mulheres estavam com as cabeças raspadas, eu não consegui mais reconhecê-las. Para mim, pareciam um bando de macacos. Aquilo que eu via já não eram mais seres humanos. Eu ouvia vozes conhecidas, que eu não conseguia associá-las com os rostos que eu conhecia. Fiquei histérica. Ninguém conseguia acalmar-me. Comecei a fazer coisas estranhas. Cada uma de nós recebeu um casaco, mas para mim aquilo eram umas calças. Eu tentei enfiar as minhas pernas nas mangas do casaco, como se elas fossem as pernas de umas calças. E, como isso não deu certo, fiquei ainda mais histérica. Normalmente sou uma pessoa calma e tranquila. Mas nessa noite... Só por milagre não enlouqueci.»
Excertos da documentação da passagem de Ella Pollak e Handa Pollak pelo campo de Flossenburg (Handa surge sempre identificada com data de nascimento errada) e excerto da correspondência do advogado da família de Handa com os Arquivos Arolsen identificando o erro da data de nascimento nos documentos existentes nos Arquivos, cuja correção era necessária para que pudesse ter o certificado de prisioneira e residência anterior à guerra para tentar reaver (sem sucesso) a «villa» pertencente à mãe (Fonte: https://arolsen-archives.org/)
Passaram uma semana terrível em Birkenau e depois foram enviadas para um campo de trabalhos forçados na Alemanha, para trabalhar numa fábrica na cidade de Oederan transformada num subcampo do campo de concentração de Flossenburg, que funcionou entre 12 de setembro de 1944 e abril de 1945. Em três transportes, 501 mulheres judias provenientes do campo de concentração de Auschwitz chegaram a Oederan: 200 mulheres vieram da Polónia, 150 da Checoslováquia (entre elas Handa e Tella Pollak), 60 da Hungria e outras da Holanda, Alemanha, União Soviética e Eslováquia. Handa vai, assim, trabalhar na produção de munições, em dois turnos, na fábrica têxtil Kabis desativada para a Deutsche Kühl- und Kraftmaschinen GmbH.
Excerto de correspondência de familiares de Handa Pollak com os Arquivos Arolsen, onde se pode verificar as datas de todos os seus transportes de deportação, 1955 (Fonte: https://arolsen-archives.org/)
Trabalharam lá até 14 de abril de 1945, quando foram novamente colocadas num comboio com destino a um campo de extermínio. Quando estavam perto, descobriu-se que o campo já tinha sido libertado e depois de uma semana no comboio, em que procuravam outro lugar para os matar, 442 mulheres (apenas), entre elas Handa e Tella, são despejadas (de novo) em Terezín, a 21 de abril de 1945, depois de uma terrível viagem. Foram libertadas lá, no dia 9 de maio de 1945, quando Handa tinha 13 anos.
Depois de visitar novamente o campo a 6 e 21 de abril de 1945, a Cruz Vermelha Internacional tomou posse da sua administração de Terezín a 2 de maio de 1945. O Comandante Rahm e o resto das SS fugiram nos dias 5 e 6 de maio. As unidades militares e SS alemãs dispersas continuaram a combater as forças soviéticas nas proximidades do campo-gueto, que se tornou parte da frente de batalha a 8 de maio. As tropas soviéticas entraram no campo a 9 de maio e assumiram a responsabilidade pelos seus prisioneiros no dia seguinte. Em finais de agosto de 1945, a maioria dos antigos prisioneiros tinha deixado o campo, para ser substituída por alemães étnicos detidos pelas autoridades checas e soviéticas.
Livre, em Praga, Handa começou a procurar a família que regressara dos campos, mas ninguém da família próxima sobreviveu. Não sabia quem vivia na sua quinta, a quem pertencia a villa da mãe, onde é que era suposto viverem. “Esta foi a altura mais triste para mim, recomeçar a minha vida sozinha, apenas com a Tella.”
Um dia, apareceu um homem que era amigo de Karel Pollak no campo de concentração Dachau Disse a Handa que o seu pai tinha recuperado do tifo mas que estava muito fraco e lhe tinha dito que não havia hipótese de encontrar a mulher e a filha e morreu apenas um mês antes do fim da guerra... Karel Pollak escapara a esta seleção e a Auschwitz-Birkenau, mas acabara por morrer a 9 de março de 1945 num subcampo de Dachau, na sequência de ter contraído tifo e pelo desespero de ter perdido a esperança de que a filha e a mulher que amava estivessem vivas. “Estes foram os dias mais traumáticos para mim - piores do que todos os anos da guerra.” Também nunca mais ouviu falar sobre o que tinha acontecido à sua mãe. “Toda a minha vida perguntei a pessoas que também foram prisioneiras em Lodz se a conheciam ou tinham ouvido falar dela e do que lhe aconteceu, mas ninguém a conhecia e por isso a única coisa que sei é que ela foi morta algures.”
Voltou a ir à escola, fez novas amizades, foi ao teatro e a concertos e lentamente descobriu novamente o gosto da vida. “Penso que encontrei a força porque eu era jovem e o mundo prometia paz e um futuro melhor.” Quatro anos depois o partido comunista chegou ao poder e Handa decidiu emigrar para Kibutz Hachotrim, em Israel, onde vive até hoje. Casou-se, tem filhos, netos e até bisnetos. Trabalhou mais de 3 anos em África como perita agrícola, com o marido Chaim Drori.
Visita de Handa Pollak (Drori) com a família a Terezín, em 2018, no sótão do Pavilhão Magdeburg, em frente à cortina do cenário da ópera infantil Brundibár. (Fonte: https://www.facebook.com/TerezinMemorial/photos/)
“Depois da juventude difícil, vivi uma vida boa e plena. Desejo-vos e a toda a geração jovem que nunca experimente o que nos aconteceu quando éramos jovens.” Mensagem final de Handa Drori ao grupo de alunos do Projeto N.O.M.E.S. que com ela trocou correspondência eletrónica no ano letivo 2019/2020. Profundamente agradecidos e emocionados pela intensa colaboração.
Texto adaptado das consultas e leituras a seguir identificadas, não tendo sido possível um trabalho rigoroso em termos de citações. Pesquisa e conceção finais: Afonso Palma e Maria Inês d’Alte (9.º B).